Entre fardas e hospitais, os dilemas do Brasil no Haiti


 Brasil no Haiti
04 Mai 2014

À frente da tropa da ONU, país busca cooperação às vezes problemática

Bernardo Barbosa


O Brasil sempre teve o contingente militar mais numeroso da Minustah e, com isso, desde o início lidera as forças de paz da missão. Mas, ao mesmo tempo em que o Brasil se apresenta aos haitianos quase sempre de farda e capacete azul, busca cooperar com o Haiti em áreas civis. Para Ricardo Seitenfus, representante da OEA no Haiti entre 2009 e 2011, o resultado disso é a prisão do Brasil numa contradição.
- Outros países sempre defenderam que, se há uma operação de paz, deve haver imposição da paz. O Brasil sempre lutou para atacar não só as consequências da instabilidade (no Haiti), mas as raízes dos males, sem muito sucesso. Esse foi um dilema que o Brasil carregou ao longo de todo esse período e em outras operações de paz, como no Timor Leste - diz.
Na visão do pastor batista André Bahia, que vive no Haiti desde 2012, a Minustah tem buscado um enfoque mais civil nestes últimos dois anos, ao mesmo tempo em que a Polícia Nacional Haitiana (PNH) gradativamente assume funções antes a cargo de militares de fora do país.
- Os brasileiros, que são responsáveis pela maior parte da capital, realizavam blitzes e patrulhas mais ostensivas. Mas, isso mudou. Vimos o 2º Batalhão Brasileiro da Força de Paz da ONU se despedir da missão realizando uma megaoperação conjunta entre vários órgãos de polícia da ONU e do Haiti, e ao mesmo tempo, do outro lado da rua, apoiando uma grande ação humanitária com médicos, educadores, esportistas e capelães voluntários brasileiros, haitianos civis e militares - conta Bahia.
Por outro lado, o nome do Brasil também está colado, às vezes, a iniciativas problemáticas. Omar Ribeiro Thomaz, professor de Antropologia da Unicamp e pesquisador do Haiti há 16 anos, cita as dez Unidades de Pronto Atendimento (UPA) prometidas pelo governo brasileiro dias após o terremoto de janeiro de 2010 - nenhuma saiu do papel. Thomaz também menciona falhas no projeto Pró-Haiti, criado com o objetivo anunciado de trazer até 500 estudantes haitianos para universidades públicas brasileiras. Até hoje, vieram 78.

INTENÇÕES NÃO CONCRETIZADAS
A promessa das UPAs deu lugar à construção de três hospitais comunitários de referência, um instituto destinado à reabilitação de pessoas com deficiência e de um laboratório de órteses e próteses. Em nota, o Ministério da Saúde informou que a decisão foi tomada em conjunto com o governo haitiano, com base na realidade do país, "que possui carência de estabelecimentos de saúde para atender a população, em especial em média complexidade".
A inauguração dos hospitais chegou a ser anunciada para meados de 2013, mas o primeiro deles, assim como o instituto de reabilitação, será inaugurado amanhã, segundo o ministério. Os outros dois estabelecimentos devem começar a funcionar ainda este semestre. "A mudança de data se deu em função das dificuldades enfrentadas pelo país no início do seu processo de reestruturação após o terremoto, que acabou causando um atraso inicial na liberação dos terrenos cedidos para as obras", alega o ministério.
Já segundo o Ministério da Educação, a vinda de 500 bolsistas seria para a realização de graduação sanduíche no Brasil, mas este tipo de bolsa "se mostrou inviável", disse o ministério, em nota. Com isso, "foi acordada a troca de modalidade de bolsa, e os alunos que já estavam aqui foram migrados para a graduação plena".
Seitenfus, ex-OEA, vê com preocupação um desgaste da imagem do Brasil com a prolongada atuação no Haiti.
- Cada dia que passa com a nossa presença com a cara militar, desgasta mais. Um capital imenso de reconhecimento, respeitabilidade, gastá-lo como nós estamos gastando no Haiti... - diz.

Números
30.259
MILITARES
É o contingente total já enviado pelo Brasil ao Haiti.
379
BRASILEIROS
É o número de militares que ficarão no Haiti após junho. Hoje, há 1.452. O Brasil busca uma retirada gradual das tropas, mas não há data para a saída total.
2.200
MILITARES
Foi o maior contingente brasileiro no Haiti, logo após o terremoto de 2010.
22
MORTOS
Dos militares brasileiros falecidos no Haiti, 18 morreram no terremoto de 2010.
R$ 2,1
BILHÕES
É o custo da presença do Brasil até 2013. Houve um reembolso de R$ 714 milhões da ONU.
R$ 673,8
MILHÕES
Foi o desembolso brasileiro no ano do terremoto.

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